Ensinar é aprender, não é transmitir conhecimentos
Ivone Boechat
Ensinar é aprender. Ensinar não é transmitir conhecimentos. O
educador não tem o vírus da sabedoria. Ele orienta a aprendizagem, ajuda
a formular conceitos, a despertar as potencialidades inatas dos
indivíduos para que se forme um consenso em torno de verdades e eles
próprios encontrem as suas opções.
A etimologia revela que o substantivo aprendizagem deriva do latim
"apprehendere", que significa apanhar, apropriar, adquirir conhecimento.
O verbo aprender deriva de preensão, do latim "prehensio-onis", que
designa o ato de segurar, agarrar e apanhar, prender, fazer entrar,
apossar-se de.
Ensinar: palavra latina insignīre, quer dizer "marcar, distinguir,
assinalar". É a mesma origem de "signo", de "significado". A principal
meta da educação se processa em torno da auto-realização. Logo, ela
propõe a reformulação constante de diretrizes obscuras para alcance dos
objetivos, comprometidos com a valorização da vida. A educação carimba a sociedade que deseja ter !
O professor, como agente de comunicação,
transformou-se num dos mais pobres recursos e dos mais ricos. Quando se
imagina dono da verdade, rei do currículo, imperador do pedaço, mendiga
e se frustra. Quando se apresenta cheio de humildade, de compreensão e vontade de aprender, resplandece e brilha!
Os estudantes estão abastecidos por uma carga de informações cuja capacidade de assimilação nem comporta. O ser humano tem potência de semi-deus, com
emoções de um mortal. O avanço da era espacial em que vive tornou o
homem angustiado pela consciência de sua fragilidade para absorver e
superar os desafios à sua volta. É mister que se reestruture o conceito
de Escola ou se reconheça a sua derrota. Os que nela atuam não podem
continuar a caminhar distantes da realidade, em marcha lenta, porque
assim, estão concorrendo para o fracasso.
Repetindo uma expressão muito antiga, “a Escola não sabe a força que
ela tem.” Deve-se abolir, de imediato, a cultura do supérfluo,
selecionando conteúdos mais significantes e atuais. Não se pode
contribuir para que o desinteresse se instale e, conseqüentemente,
esvazie o espaço da aprendizagem permanente. O educador deve se preparar
para estar apto perante a onipotência da máquina, e não se assustar com a sua eficiência. Estar sempre atento aos transbordamentos da ciência e não se embrutecer na resposta.
De que valem as "reformas" educacionais, se mudanças radicais não
ocorrem? Elas passam, os problemas maiores continuam, gerações se
substituem e, no universo de perguntas não respondidas, resultados
positivos não se operam, muitas vezes. Os enlatados culturais intoxicam como
os outros, se transformam em "pacotes culturais" e saem por aí,
empacotando a sensibilidade, a criatividade, que tanto contaminam a
educação.
Um exemplo? Entende-se barulho como música! Poesia como cafonice, família como utopia, Pátria como
sucata. Quem ama educa, educar é educar-se a cada dia, sem a pretensão
de preparar para a vida. O poder de adivinhar o futuro o educador não o
possui. Ele orienta, para que, em situações imprevisíveis, se processem
alternativas. Educar não é ensinar, é aprender.
Ivone Boechat é Professora em Niterói/RJ
Professor
ResponderExcluirIvone Boechat (autora)
Alguém um dia se propôs a trabalhar na construção de vidas, estudou psicologia, filosofia e as melhores técnicas de comunicação. Passou dias, horas e minutos, observando o comportamento de todas as faixas etárias do ser humano.
Alguém se sentiu vocacionado e, atendendo aos apelos do coração, inscreveu-se na batalha de frente da luta milenar contra os analfabetismos.
Armado de pouquíssimos recursos materiais, postou-se, de peito aberto, levando flechadas federais, estaduais, municipais.
Alguém se especializou nas oficinas mecânicas do ser humano e candidatou-se a reformar conceitos e valores da educação mal orientada.
Alguém se inscreveu no concurso da vida, não se importando de sacrificar o próprio corpo na concorrência desleal de convênios, convenções, tratados e dissídios.
Alguém se fez alheio às dificuldades, tendo plena certeza delas, e saiu disposto a questionar leis, portarias, resoluções e regimentos. Nos desmaios da sobrevivência, impôs-se.
Alguém foi nomeado, designado, empossado para o exercício do magistério, não se perdeu no labirinto do caminho nem se assustou com o fantasma da exigência impossível. Saiu a procurar o aluno perdido nas balas perdidas da guerra civil.
Alguém convive com a distância, com a fome, com a injustiça, com a carência e a canseira, contudo, ensina gerações a acreditar no futuro, a ter fé e não se deter.
Para um ser assim tão especial, só um nome poderia identificá-lo: PROFESSOR.
Ivone Boechat
Desastre pedagógico
ResponderExcluirIvone Boechat
A escola, devagar e na contramão, bateu de frente com a realidade universal. Muitos pularam antes do choque, mas não conseguiram evitar o pior. Os professores de Língua Portuguesa e de Matemática, privilegiados com assento no banco da frente, estão muito machucados. O professor de Português enrolou a Língua e faz análise e orações para não morrer.
O titular de Matemática, por frações, escapou. Agora, mastiga raiz quadrada e equações. Menos de 50% das visitas (alunos) conseguem entender o que se fala e, desse jeito, pelos sintomas, não vai escapar das quatro operações.
Numa curva mais fechada, perderam-se os professores de História, de Geografia e de Ciências. Na queda, sofreram amnésia. Os estudantes aflitos gritam, pedindo informações atuais e eles só resmungam coisas do século passado, não enxergam as mudanças que se processam, velozmente.
O acidentado professor de Inglês, ainda muito assustado, olha de um lado para outro, procurando o "to be" e o "to have", amigos inseparáveis. Meio tonto, jura que viu o datashow, o laptop, o tablet, o vídeo e o televisor, recursos próprios para as aulas. Acordou, era febre alta, estava apenas variando, coitado.
Os professores de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) não conseguem ainda ficar de pé. Diretores, coordenadores, especialistas da educação, visitam os colegas, com sorriso amarelo, sem graça, porque não têm recursos para o tratamento que o mal exige.Os computadores estão lá, sim.Só isto, mais nada.
A escola precisa de grande reforma mecânica. Os faróis dirigentes devem ser trocados por outros mais possantes. A visão está péssima. Os pneus da coordenação, gastos de rodar pra lá e pra cá, procurando coerência, precisam ser substituídos para continuar a procura.
Os professores, após um período tão grande de imobilização, expõem gravíssimo raquitismo. O desastre atingiu a toda esta geração e alta mesmo os doentes não terão, a curto prazo. Todavia, a escola, enfermo principal, indicou ao povo tratamento na rede particular, até que todos sintam a importância da restauração do direito constitucional de se implantar a educação de ótima qualidade e o "ensino gratuito e obrigatório".
Publicado no meu livro Escola Comunitária 4ª ed Reproart-RJ 2004